Paulo Freire vive e faz viver melhor

Às vésperas do que seria seu aniversário de 87 anos, o mesmo palco que recebeu Paulo Freire na volta do exílio – na mesma faculdade que concentrou pensadores da Teologia da Libertação e onde o mestre lecionou nos últimos anos de sua vida – convidados dividiram experiências da Pedagogia do Oprimido no Hemisfério Sul. A discussão, mediada por Marina Felldman, acerca do Legado de Paulo Freire, aconteceu na tarde do dia 17 de setembro, no Tuca, teatro da PUC-SP. A quarta Conferência do Fórum Paulo Freire apresentou um propósito claro: a resistência pacífica, mas nunca passiva. Educadores mostraram, à imagem de Freire, que “um mundo menos malvado” não somente é possível como necessário.

A coordenadora da Cátedra Paulo Freire, Ana Maria Saul, abriu o debate explicando sua abordagem para a formação de jovens educadores. Pautada pela prática visa romper com a dicotomia em busca de coerência. Ana lembrou dos anos de convívio com o mestre, quem lhe ensinou a envolver os sonhos dos alunos nos sonhos de professora. Ao encerrar, emocionada, citou Cecília Meireles (”A vida só é possível, reinventada”) para dizer: “Paulo Freire nos convoca profundamente para a reinvenção da vida, de modo que essa possa contribuir para um mundo mais humano e justo para todos”.

Aos “amigos, colegas e parceiros de luta”, Reinaldo Fleuri, da Universidade Federal de Santa Catarina, declamou: “Paulo Freire vive! No nosso modo de pensar, na força e atualidade de idéias que permeiam a luta pela construção de uma proposta social-pedagógica”. Contrapondo o autoritarismo, Fleuri propôs a tolerância – seu instrumento transformador. “Estruturas autoritárias só são destruídas por meio do diálogo. O silêncio da comunidade, síntese de todas as outras formas de silenciamento – da vontade, da mente, da palavra, do corpo – é, ao mesmo tempo, a arma contra o medo: o recuo é o espaço da resistência”. Com os pés no chão, a partir da simplicidade da frase de Freire “O silêncio se rompe falando e se fala autenticamente agindo!”, colocou em xeque: “Qualquer contribuição intelectual que não tenha a capacidade de colocar seu saber na prática e não seja capaz de descolonizar o saber e o poder”.

Falando em “colonialidade embutida”, em seguida apresentou-se Florenço Varela, atual Diretor Geral de Alfabetização e Educação de Adultos do Ministério da Educação de Cabo Verde. Rememorou a imensa contribuição de Paulo Freire nas Ilhas Crioulas do Atlântico, terra de Amílcar Cabral, e um dos países africanos em que Freire mais atuou por meio do Instituto de Ação Participativa (IDAC), criado em Genebra, em 1971. Varela acrescentou a reafirmação do seu papel à aplicação do método: “Não podemos esquecer da horizontalidade na relação entre coordenadores e alfabetizadores nos programas de formação. Quando são negadas as liberdades, rompe-se a harmonia”.

Já Oscar Jara, ativista-alfabetizador peruano radicado na Costa Rica, logo provocou a platéia com uma pergunta geradora: “O que significa reinventar Paulo Freire?” Ilustre entre os presentes, o poeta Thiago de Mello respondeu: “Tentar com fidelidade e amor prolongar o caminho que ele percorreu”. Assim, Jara deu seqüência à sua fala, dividindo reinvenções de um perguntador de si mesmo: “Não somente a educação popular dá a dimensão política, mas esta também à educação popular”.

“Mora na fantástica infinitude do conhecimento a riqueza para o reinventar”, disse Eliete Santiago, orientanda de Paulo Freire e, atualmente, pesquisadora da Universidade Federal de Pernambuco. Ela, como definiu – voz de mulher, negra, nordestina – propôs: “A criação de uma nova ética parte da ousadia em semear valores alternativos por meio da Pedagogia da Humanização – coisa que o capitalismo não pode oferecer”.

Por fim, Ivor Baatjes, do Instituto Paulo Freire na África do Sul, expôs as dificuldades locais à democracia. A depreciação do âmbito público tornou-se realidade, e mais que isso, é a forma que permeia a separação, pela dificuldade de acesso. Da mesma forma, as barreiras à educação, já que “controle e punição deixaram como resultado o medo da docência, na tentativa de fazer calar as vozes contrárias, que denunciam o modelo implantado”. Para Baatjes, a opressão define os “consumidores pós-modernos”: estão limitados a consumir a imagem do consumo. Porém, vale lembrar um conceito especialmente importante: estamos condicionados, mas não determinados. “É preciso se posicionar com coerência em relação ao fatalismo histórico e a crítica ao neoliberalismo”.

17/09/2008 – Marília Arantes – Le Monde Diplomatique

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