Moacir Gadotti. Intervenção no Seminário: Atuação e desafios para a construção de ‘outra educação para outro modelo civilizatório’.

FÓRUM SOCIAL MUNDIAL, FÓRUM MUNDIAL DE EDUCAÇÃO 15 ANOS Porto Alegre, 22 de janeiro de 2016

CONTRIBUIÇÃO DO FME NOS 15 ANOS DO FSM

Principais marcos. Contribuições e reflexões para avançar

Agradecer o convite ao Comitê Organizador e felicitar pela organização deste Fórum Temático. Sei, por experiência própria, das dificuldades dessa organização por ter participado de algumas delas. Felicitaciones.

O FME, nesses seus 15 anos, foi construído graças ao trabalho de muitas pessoas que se envolveram nesse processo e poderia estar aqui nesta mesa: Ramon Moncada, Alessio Surian, Beatriz, Katia Dudyk, Leslie Toledo, Salete Camba e Stela Rosa.

O FME tem uma história de lutas que é preciso resgatar e conhecer melhor. Ela se encontra, sobretudo, nas Cartas e Declarações de cada Fórum realizado e sua incidência política.

Nesses 15 anos os fóruns se capilarizaram e continuam muito vivos e estão passando por novos desafios impostos por novas conjunturas. É um processo absolutamente natural, como todo processo histórico.

Isso não significa que seu modelo se esgotou. O FME está passando pelos mesmos desafios do FSM e de outros fóruns (nada de novo nesse caso): o Fórum Mundial da Água, o Fórum Mundial da Cultura, o Fórum de Autoridades Locais, o Fórum Mundial de Direitos Humanos e outros fóruns. A situação é a mesma. O destino do FME está ligado ao destino do FSM de onde ele se originou.

O Fórum Mundial Educação (FME) já conquistou um espaço próprio na luta pelo direito à educação no mundo, dentro desta nova cultura política de auto-organização proposta pelo Fórum Social Mundial. Por conta desse processo muitas mudanças já vem ocorrendo, principalmente na América Latina, com governos mais democráticos na região, mesmo que estejam passando por dificuldades de avançar.

A riqueza desse movimento é imensa e seria impossível contemplar aqui todas as problemáticas abordadas nesses fóruns. Podemos fazer um balanço mais geral, uma visão de conjunto (incompleta, inconclusa), que possa nos apontar para desafios presentes e futuros.

O IMPORTANTE é conhecer melhor o que já fizemos e buscar melhorar o que podemos fazer daqui para a frente.

O FME insere-se na tradição da Educação Popular. Aliás, podemos dizer que sem essa tradição de mais de meio século, na América Latina, certamente, nem o FSM e nem o FME teriam nascido em Porto Alegre. O Movimento da Educação Popular tem uma história de lutas na região que preparou o advento do FSM.

Um espaço plural de luta pela desmercantilização da educação e pela afirmação do direito universal a uma educação emancipadora, entendida como uma educação para a justiça social. Nos articulamos em torno de uma Plataforma de Lutas (Nairobi, 2007).

A análise de um cenário pressupõe sempre um olhar retrospectivo e prospectivo para não perder o sentido histórico. Ás vezes, quando fazemos análise de conjuntura temos a tentação de ver apenas o presente, a correlação de forças atual, esquecendo a história. Ver uma árvore sem enxergar a floresta, o conjunto.

  1. Origens e missão do FME (para os que não conhecem sua história) -No final de 1999 e início de 2000, depois de uma década de certa apatia política, provocada pela queda do socialismo soviético, e diante do crescente número de manifestações mundiais contra o modelo neoliberal – chamadas pela imprensa de manifestações antiglobalização” – alguns movimentos sociais e ONGs estavam ensaiando o lançamento de um evento não só de resistência ao pensamento único neoliberal, mas de discussão de novo projetos e propostas alternativas. Um movimento

 

contrahegemônico e altermundista.

Esta ideia não surgiu por acaso. Ela já vinha sendo construída desde os anos 60, enraizada nos movimentos ecológicos, feministas, estudantis e pelos direitos humanos, entre outros. Destaco, por exemplo, na América Latina, a contribuição do movimento de educação popular.

O processo de construção de um outro mundo possível é um processo político, mas também, eminentemente educativo. Não dá para entender a ação transformadora do Fórum Social Mundial sem compreendê-lo em sua dimensão pedagógica. Por isso introduzimos muitos debates no interior do FSM com a consigna: “para um outro mundo possível uma outra educação é necessária”.

  1. Plataforma Mundial de Educação –Na esteira do FSM outros Fóruns Mundiais nasceram, entre eles o Fórum Mundial de Educação. Na edição seguinte, em 2004, foi discutida a construção de uma Plataforma Mundial de Educação, finalmente aprovada, em Nairobi, em 2007.

Como método de trabalho o FME busca cruzar a plataforma com a agenda de lutas dos Movimentos Sociais da Via Campesina, da Via Urbana, da Campanha Global pela Educação, do Movimento de Educação de Jovens e de Adultos, do Movimento de Mulheres, do Movimento Ambiental, do Software Livre, da Economia Solidária, do Movimento pelos Direitos Humanos e outros.

A metodologia de aglutinação voluntária favorece a autonomia dos movimentos e evita o dirigismo. O método do FSM é o da tomada de decisões por consenso, inteiramente diferente da regra habitual dos partidos, de decidir pelo voto da maioria. A Plataforma Mundial do FME vem se transformando, aos poucos, num elemento inspirador de novas políticas públicas.

O neoliberalismo concebe a educação como uma mercadoria, reduzindo nossas identidades às de meros consumidores, desprezando o espaço público e a dimensão humanista da educação. Opondo-se a essa concepção, o FME defende uma concepção emancipadora da educação, que respeita e convive com a diferença, uma educação para a justiça social.

  1. Atualidade do FME -A atualidade e o futuro do FME está ligado ao futuro do FSM. Refletir conjuntamente. Somos parte do mesmo processo FSM. Como o FSM buscamos estratégias de superação do capitalismo neoliberal, por meio de uma nova cultura política baseada na radicalização da democracia, sem hierarquias, no respeito às diversidades, respondendo à crise civilizatória por que passa hoje a humanidade.

Há um fato novo que devemos levar em conta hoje: o surgimento dos movimentos cidadãos (como os da Espanha) que se expressam nas ruas e espaços públicos em diversas partes do mundo.

Em São Paulo, por exemplo, estudantes secundaristas deram lições de democracia ocupando escolas públicas do Estado que queria impor uma reforma administrativa que iria fechar mais de uma centena de escolas.

Nem o FME e nem o FSM se constituem numa central de movimentos sociais e organizações não governamentais. O FSM é um facilitador desses movimentos e ongs mas tem tido muita dificuldade, inclusive para fazer funcionar nosso espaço virtual (site) que poderia impulsionar as lutas dos movimentos e ongs.

Não temos uma estrutura de apoio às diferentes iniciativas de base e trabalhos sociais dos diversos grupos que buscar se articular no espaço do FSM/FME. Precisamos encontra formas de dinamizar esse espaço.

Creio que já discutimos muito os princípios do FME e do FME. De certa forma a nossa Carta de Princípios consolidou-se. O FME e o FSM estão em marcha. Devemos continuar facilitando a capitalização desses dois processos que correm juntos. O espaço virtual precisa ser mais dinamizado em função dessa estratégia.

Hoje, as transformações que perseguimos dependem muito menos de grandes sínteses ou elaborações teóricas de grandes pensadores, como no passado (a exemplo de Marx) e muito mais do poder de articulação (inclusive de nanoações) em rede que mobilizam milhões de pessoas criando consensos sociais. Investir mais na comunicação digital, na mídia livre, no ativismo digital. É o que tem dado certo. As redes sociais são um exemplo desse novo contexto que estamos vivendo.

Precisamos manter nossa agenda de lutas e um programa de ações de mobilização global. Para isso precisamos manter a articulação internacional conquistada até agora. Espaços de convergência, horizontais e abertos, para compartilhar trabalhos, experiências, estratégias e reflexões críticas. Temas convergentes: educação pública, emancipação e direitos humanos; Educação Cidadã para uma Cidade Educadora; Diversidade, Economia Solidária e Ética Planetária.

  1. O que os fóruns como este estão nos ensinando? -Os fóruns desbancaram a descrença, o fatalismo neoliberal eo pensamento único; despertaram a crença de que era possível mudar

o mundo e introduziram uma nova cultura política de escuta antes da disputa, priorizando a política sobre a polêmica.

Eles estão nos ensinando a educar para um outro mundo possível ou melhor, para outros mundos possíveis – justos, produtivos e sustentáveis – já que diante da enorme diversidade humana -uma grande riqueza -não pode existir apenas um modo dos seres humanos produzirem e reproduzirem a sua existência.

O que é educar para outros mundos possíveis? É educar para visibilizar o que foi escondido para oprimir. A luta feminista, o movimento LGBT, o movimento ecológico, pelos direitos humanos, o movimento dos sem terra e outros, tornaram visível o que estava invisibilizado por séculos de opressão.

Educar para outros mundos possíveis é educar para a qualidade humana para “além do capital”, como nos disse István Mészáros na abertura da quarta edição do Fórum Mundial de Educação, em Porto Alegre, em janeiro de 2005.A globalização capitalista roubou das pessoas o tempo para o bem viver e o espaço da vida interior, roubou a capacidade de produzir dignamente as nossas vidas. Cada vez mais gente é reduzida a máquinas de produção e de reprodução do capital.

A educação neoliberal transferiu para a relação professor­aluno a lógica de rentabilidade e eficiência do mercado. É preciso substituir relações mercantis por novas relações humanas (paz).

A escola pública acaba incorporando a lógica do mercado (rentabilidade, lucro, eficácia) causando tensão nas relações sociais e humanas das escolas. A relação professor-aluno torna-se tensa, agressiva, quando reproduz relações competitivas de mercado. Ela adquiriu a forma do mercado, reproduzindo, na escola, as relações de produção dominantes na sociedade. A educação não pode

 

subordinar-se às exigências do mercado.

  1. FME/FSM -15 ANOS Immanuel Wallerstein: “não existe alternativa ao FSM na estratégia de superação do capitalismo – ele introduziu uma nova cultura política baseada na democracia, sem hierarquias”. Ele está se capilarizando Tunísia e a Primavera Árabe e os novos movimentos cidadãos desde 2010.

Onde estão as saídas para manter o processo de construção desses fóruns como o FME? Tudo leva a crer que o melhor caminho para dar continuidade a esses fóruns e, em particular, ao FME, é investir mais no seu ativismo no mundo digital. Mais importante do que os eventos presenciais está o processo e a causa. Os eventos, os fóruns são instrumentos, meios, para defender a causa que é “um outro mundo possível”. Essa não pode morrer.

Mas os meios vão se alterando no processo. O que importa é manter viva a causa. Ainda não exploramos todas as potencialidades da comunicação /articulação virtual. É no espaço contra­hegemônico da virtualidade que está se dando hoje a formação da opinião pública e a luta política.

  1. A saída é política -Construir um projeto político popular. Precisamos politizar e polarizar. Precisamos denunciar a manipulação dos meios de comunicação”. A resposta a direita, aos neoliberais, se dará nas ruas, com unidade das forças de esquerda defender uma “pauta unitária”.

A saída que eu vejo é caminhar com o povo para a esquerda, caminhar mais com os movimentos sociais, por uma educação cidadã crítica. Construir um novo projeto de esquerda que responda ao socialismo do século XXI (político, econômico e social) que volte a entusiasmar a juventude pelo gosto da política.

A política é o espaço do diálogo, do conflito, da negociação, da disputa por hegemonia. Política supõe mobilização e comunicação, articulação. Agora é a hora de um Programa Comum das esquerdas, um programa popular antineoliberal, com combate a toda sorte de corrupções, com reforma política popular, com reforma dos meios de comunicação. E buscar recriar a esperança a partir das múltiplas expressões da vontade popular.

Creio que é para isso que estamos aqui. Obrigado.

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