Nova conjuntura política e ameaça de impeachment levam o Fórum Social em Porto Alegre de volta às origens


Fernanda Canofre – Jornal Sul21

O cenário na América Latina está em plena transformação. Uma semana depois de Maurício Macri terminar com doze anos de kirchenerismo nas urnas da Argentina; Nicolás Maduro também viu a Venezuela pedir mudança nas eleições locais. No Brasil, uma manobra do presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha, colocou o mandato da presidente Dilma Rousseff em xeque com a aceitação de um pedido de impeachment para ser investigado pelos próximos meses. O debate sobre o retorno dos conservadores e neoliberais, o que isso significa para o Mercosul e Unasul e para os projetos sociais dos países latinos; no ano em que o Fórum Social Mundial completará 15 anos, ele parece estar voltando às suas origens.

O Fórum Social Temático celebrando o aniversário do evento será realizado entre os dias 19 e 23 de janeiro de 2016, em Porto Alegre. A cidade foi o berço do evento que surgiu como contraponto aos Fóruns Econômicos de Davos, na Suíça, em 2001. No último sábado (5), uma reunião entre representantes de movimentos sociais e o membros do comitê organizador do Fórum na capital discutiu os últimos detalhes do evento.

Em 2016, as conferências e atividades do Fórum serão realizadas no Parque Farroupilha (Redenção), no Auditório Araújo Viana e no Largo Zumbi dos Palmares, enquanto o tradicional Acampamento da Juventude volta ao Parque Harmonia. A caminhada de abertura, com a participação de convidados nacionais e internacionais, já teve seu trajeto definido: o grupo sairá do Largo Glênio Peres, vai seguir pela Borges de Medeiros e terminar no Largo Zumbi. A organização espera um público de 20 mil pessoas.

Entre os nomes já confirmados estão o sociólogo português Boaventura de Sousa Santos, os criadores do Fórum Oded Grajew e Chico Whitaker, o teólogo Leonardo Boff, o economista Ladislau Dowbor e a presidente do World Peace Council, Socorro Gomes. A lista de convidados – que ainda estão para confirmar – inclui o ex-presidente do Uruguai e senador José “Pepe” Mujica, o ex-presidente Luis Inácio “Lula” da Silva, a ativista paquistanesa Malala Yousafzai e o sociólogo espanhol Manuel Castells.

Segundo Mauri Cruz, membro do comitê organizador do Fórum e da Associação Brasileira de Organizações Não-governamentais (Abong), assim como nos anos anteriores, nesta edição o Fórum foi pensado com base em garantir diversidade de gênero, origem social e cultural entre os palestrantes. “O debate que está sendo colocado é a necessidade de se rediscutir ‘um novo mundo possível’. As organizações e os movimentos buscam convidar pessoas que são críticas ao capitalismo, ao sistema que está aí, a inviabilidade desse sistema para a humanidade e apresentam propostas e sugestões, no sentido de outro mundo possível e necessário”, explica ele.

Mauri lembra ainda que, como o Fórum mantém sua essência auto-gestionária, mesas, conferências e outras atividades programadas vão acontecendo de acordo com a vontade do público presente. “Nosso desafio agora é trazer essa juventude mundial, que está pedindo passagem, de ela enxergar no Fórum Social um espaço onde ela será bem acolhida e bem representada. Sua expressão não vai ser mediada por um governo ou por uma organização institucional”, acrescenta.

Pautas na mesa: o sistema, as mulheres, a população negra

 

A reunião do comitê organizador, de Porto Alegre, contou com a presença de representantes do movimento negro, movimento de luta pela moradia, movimentos sindicais, sociais e representantes de partidos políticos como o Partido dos Trabalhadores (PT), Partido Comunista do Brasil (PC do B) e organizações como a Raiz – Movimento Cidadanista.

Para Rogério Pantoja, da executiva nacional da Central Única de Trabalhadores (CUT), são eles que justificam a pertinência do evento depois de 15 anos. “Se você pegar a essência de quem construiu o Fórum desde o início você tem de tudo. Tem movimento social, trabalhadores, movimento negro, movimento de mulheres, sindicalista, hip hop, agricultura familiar, economia solidária, todos os movimentos sociais de alguma forma construíram alguma coisa no Fórum. Não existe espaço mais plural, mais amplo, onde todos os movimentos sociais que atuam no Brasil hoje estejam presentes”, analisa.

Já para Salete Valesan, presidente da sede no Brasil da Faculdade Latino-Americana de Ciências Sociais (Flacso), a importância do Fórum Temático em 2016 está no reforço de pautas da esquerda mundial junto a movimentos organizados e à sociedade civil de maneira geral. Um espaço de debates que os Fóruns tradicionalmente se dedicaram a fornecer. “Isso é muito importante porque vamos entrar em um ano onde, além de termos de lutar pela continuidade da nossa articulação regional, nós temos que também ajudar a Europa, África e Ásia a manter sua articulação”, diz ela. Valesan destaca ainda que o evento em Porto Alegre pode ser também a oportunidade de se trabalhar o fortalecimento de blocos regionais como o Mercosul e a Unasul.

As pautas sendo votadas no Congresso mais conservador desde a ditadura militar, também influenciam nos debates de janeiro. “Nos primeiros anos de Fórum a gente tinha uma força que era o enfrentamento ao capital, o enfrentamento ao sistema. Neste momento temos duas pautas que se agravam, que pega na questão na gênero, nas mulheres, e que pega com a população negra. Essas duas pautas estão no mesmo lugar, o de mulheres negras, juventude de periferia, juventude negra. Penso que esse momento de janeiro, em Porto Alegre, será um momento de fortalecimento destas lutas”, avalia Salete.

A FLACSO, organização presidida por ela no Brasil, é a responsável pelo Mapa da Violência, pesquisa que revela os números sociais da violência no país. Este ano, a pesquisa revelou que enquanto homicídios de mulheres brancas registrou queda de 9,8%, os de mulheres negras aumentou em 54%, nos últimos dez anos. Para construir diálogo entre movimentos e governo, Salete conta ainda que o comitê do Fórum trabalha para trazer ministros do governo federal para o Fórum. A ministra da Cidadania, Nilma Lino Gomes, que comandou a extinta Secretaria de Políticas de Promoção de Igualdade Racial (SEPPIR), está entre os nomes que devem vir.

Mais ação e a defesa contra o golpe

Com as mudanças na conjuntura política nacional, especialmente desde o último dia 2 quando Eduardo Cunha acolheu processo para abertura de pedido de impeachment contra a presidente Dilma, a defesa do mandato atual e do processo democrático deve ser a grande pauta desta edição temática do Fórum. Algo reconhecido pelo próprio governo.

“Evidentemente, esse Fórum agora, neste contexto que estamos vivendo no Brasil, adquire um papel especial. O que está em jogo não é o governo, não é a presidenta Dilma é a democracia em primeiro lugar. Então, há um debate interno dentro do governo neste sentido”, disse ao Sul21, Selvino Heck, representante da Secretaria Geral da Presidência da República. “O Fórum Social [Temático], de 2016, aqui em Porto Alegre, ele adquire uma contundência política muito maior na conjuntura política que estamos vivendo. Mais do que nunca, o tema de ‘um outro mundo possível’ está colocado no cenário”. Sobre a possibilidade da vinda da Presidente Dilma ao Fórum, Heck disse que depende do momento que o país estará em janeiro.

Rogério Pantoja lembrou que a CUT tem criticado a política econômica adotada pelo governo Dilma neste segundo mandato. Segundo ele, duas medidas provisórias aprovadas em 28 de dezembro do ano passado – aumentando alíquota de contribuição do PIS-PASEP e contribuição previdenciária sobre receita bruta – logo depois da reeleição apertada da petista, mostraram pouca vontade de diálogo por parte do governo. “O governo novamente tem essa oportunidade de resgatar essa relação com os movimentos sociais. Ficou claro, quando houve tentativa de golpe no início de 2005 contra o Lula, quem salvou o governo, quem foi para a rua foram os trabalhadores, estudantes, movimentos sociais. Se esse movimento não estivesse organizado, não estivesse forte em 2005, o Lula tinha caído”, lembra ele. Pantoja alerta ainda que a única saída agora possível é a reaproximação do governo com os movimentos sociais, reavaliando as políticas de corte adotadas com Joaquim Levy. “É preciso que haja um gesto do governo para que os movimentos voltem a se articular com ele”.

No entanto, ele defende que há uma consciência entre os movimentos de esquerda que o que será discutido no Congresso não é impeachment, mas sim um golpe do presidente da Câmara. Como o Fórum acontece ao mesmo tempo em que os parlamentares estarão voltando do recesso de fim de ano, o debate ganhará força dentro do evento. “A gente espera que seja um espaço de diálogo, de construção de política, de rearticulação entre as redes, entre os movimentos, mas também um espaço para manutenção da democracia, contra o golpe. As pessoas não imaginam o que será a queda de um governo democraticamente eleito, em uma conjuntura como a de agora”, afirma Pantoja.

A programação oficial deve ser divulgada em breve na página oficial do Fórum de Porto Alegre, onde as inscrições para participantes já estão abertas. O Fórum Social Mundial acontece em agosto, na cidade de Montreal, no Canadá.

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